segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Um texto de Raquel Leal

Era um tempo em que se vivia menos, economizava-se o ar, o olhar, a palavra. As cortinas das casas viviam fechadas, as portas sempre trancadas. Tinha-se que ter cuidado ao descer uma escadaria, a luz do dia durava pouco, descendo era preciso atenção e disciplina para retornar ao patamar superior. O ar era pesado, época difícil para quase todos, menos para um menino. Menino novo, muito moço, menino homem, quase um lobo, menino simbiótico, do olhar doce. Para ele, viver era brinquedo, sorrir não era segredo e amar não era defeito. Fazia de cada dia um espanto ao sair da cama e encontrar o espelho, se um dia deitava branco, no outro acordava vermelho, se numa noite dormia velho, no outro dia acordava mulher, se levantava melhor e caminhava nas nuvens. Seu limite era a linha horizontal que acolhia o sol, quando este decidia beijar a terra, ou a reta vertical que uma pedra abraçada por um estilingue pode tomar ao ser bem lançada, alcançando o infinito. Ser menino não cansava o homem, ser finito sim.



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