quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Bolinhos de Sol

Nascera Maria de Soledad, filha de pai espanhol e mãe carioca. Era Sol desde que se entendia por gente. Para os colegas da escola, os professores, os amigos mais chegados. Mas Sol gostava mesmo era de chuva. Tinha uma alma invernal. Sofria com as intempéries do verão, passava longe da praia, protetor solar era fator 300, se existisse. Não era daquilo. Pensava na Espanha, terra da qual falara a mãe, desde que o pai, um latin lover de meia idade, se mandara sem deixar rastro. La siesta, contava ela, tradição que fechava o comércio, chateando os turistas e jogando o povo na cama por causa do calor insuportável. Queria distância. Quem sabe um dia, no auge do inverno europeu, ela pudesse visitar aquele lugar?

Sentada em sua poltrona preferida, Sol pensava nos dias frios com saudade. O verão viria com tudo naquele ano e ela, ainda sem trabalho, queimava os miolos por uma forma de ganhar um dinheirinho. Passou o vendedor de picolés, que ela não via há tempos. Ainda era primavera e ela olhou espantada pro rapaz, todo animado, com aquele vozeirão, “olha o picolé de fruta aeee!!!”. Sol achou a ideia boa. E se vendesse picolés na janela de casa? Mas desistiu logo em seguida, porque já tinha aquele vendedor na sua rua e não queria prejudica-lo. Uma hora se passou, ela dava asas aos seus pensamentos quando então começou a chover. Uma chuvinha fina, fria e insistente, e ela foi pra cozinha. Decidiu fazer bolinhos de chuva. Enquanto comia, pensava no porque daquele nome curioso. Imaginou que em alguns lugares do mundo, quando chovia por muito tempo, as pessoas ficavam mais em casa, comendo e conversando, desfrutando da companhia umas das outras. Lembrou da Espanha, da siesta e entendeu que não era só a chuva que fazia as pessoas ficarem em casa. Sol ficou animada com a ideia que teve. Acabara de descobrir um jeito de trabalhar e de celebrar a saudade do inverno.

O verão chegou. E de sua janela, agora toda enfeitada com motivos alegres e coloridos (coisa antes impossível de ser sequer pensada, muito menos realizada), ela vendia bolinhos. Bolinhos doces e salgados. Com recheios de fruta e até de sorvete. Bolinhos tropicais com um toque espanhol. Bolinhos para quem trabalhava e não tinha tempo de ir almoçar, para quem passava apressado, quem tinha tempo para uma boa prosa, ou para quem simplesmente se intrigava com aquela moça que tinha inventado uma loja na janela de casa. Bolinhos que alimentavam de esperança os encalorados, saudosos do frio, e também os amantes do verão, que se refrescavam com os picolés de fruta, já que o vendedor se instalara ali por perto e sempre puxava conversa com ela.

Os bolinhos de chuva, que no inverno serviam para reunir as pessoas em casa, eram agora rebatizados por aquela menina, meio carioca, meio espanhola, que adorava o frio e que aprendera a ganhar seu sustento, alimentando o amor pelo inverno em pleno verão carioca. Até hoje, não há quem passe naquela rua sem experimentar, pelo menos uma vez na vida, os deliciosos bolinhos de Sol.


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